[...] No século XX, talvez o principal parâmetro para avaliar o sucesso nacional fosse o PIB per capita. Desse ponto de vista, Cingapura, onde cada cidadão produz em média, por ano, bens no valor de US$ 56 mil, é considerado um país mais bem-sucedido do que a Costa Rica, cujos cidadãos produzem, em média, apenas apenas US$ 14mil por ano. Porém, atualmente, pensadores, e até economistas, defendem suplementar, ou até mesmo substituir, o PIB pelo FIB – Felicidade Interna Bruta (em inglês GDH, Gross Domestic Hapiness). Afinal, o que as pessoas querem: Elas não querem produzir. Querem ser felizes. A produção é importante porque provê a base material para a felicidade. Mas ela constitui apenas os meios, não o fim. Em sucessivas pesquisas, os costa-riquenhos registram níveis de satisfação com a vida muito mais elevados do que os do cingapurianos. O que você prefere ser: Um cingapuriano altamente produtivo mas insatisfeito ou um menos produtivo porém satisfeito costa-riquenho?
Esse tipo de lógica pode levar a humanidade a eleger a felicidade como o segundo objetivo mais importante para o século XXI. A princípio esse poderia parecer um projeto relativamente fácil. Se fome, pestes e guerra estão desaparecendo, se a humanidade experimenta um período sem precedentes de paz e prosperidade, e se a expectativa de vida está aumentando dramaticamente, não há por que não sermos felizes, certo?
Errado. Quando Epicuro definiu a felicidade como o bem supremo, advertiu seus discípulos de que ser feliz exige trabalho duro. Conquistas materiais não proporcionam satisfação por muito tempo. Na verdade, a perseguição cega do dinheiro
o, da fama e do prazer só torna as pessoas infelizes. Epicuro recomenda, por exemplo, comer e beber com moderação e refrear os apetites sexuais. No longo prazo, uma amizade profunda provoca mais alegria que uma orgia frenética. Epicuro delineou uma ética do que se deve e não se deve fazer para orientar as pessoas no traiçoeiro caminho para a felicidade.
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No nível biológico, tanto nossa expectativas como nossa felicidade determinadas mais pela bioquímica do que pela situação econômica, social ou política. Segundo Epicuro, ficamos felizes quando desfrutamos de sensações agradáveis e nos sentimos livres das desagradáveis. Jeremy Bentham, de modo semelhante, sustentava que a natureza deu domínio sobre o homem a dois senhores – o prazer e a dor – e eles sozinhos determinam tudo o que fazemos, dizemos e pensamos. O sucessor de Bentham, John Stuart Mill, explicou que a felicidade nada é senão o prazer e a libertação da dor e que, para além de um e de outro, não há nem o bem nem o mal. Aquele que buscar deduzir o bem e o mal de lago diferente (como a palavra de Deus ou o interesse nacional) estará tentando enganá-lo, e talvez enganando a si mesmo também.
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Ninguém sofre porque perdeu o emprego, porque se divorciou ou porque o governo deu início a uma guerra. O que faz as pessoas infelizes são as sensações desagradáveis verificadas no próprio corpo. Perder o emprego certamente pode desencadear uma depressão, que é em si um tipo de sensação corporal desagradável. São vários os motivos que podem nos fazer ficar com raiva, porem a raiva nunca é uma abstração. Ela sempre é sentida como uma sensação de calor e tensão no corpo, que é o que a torna tão irritante. Não é à toa que dizemos que estamos “ardendo” de raiva.
Inversamente, de acordo com a ciência ninguém fica feliz ao conseguir uma promoção, ganhar na loteria ou encontrar o amor verdadeiro. As pessoas ficam felizes com uma coisa, e uma coisa apenas – sensações de prazer no corpo.
Imagine que você é Mario Götze, meio-campo da seleção alemã na final da Copa do Mundo de 2014 contra a Argentina; já se passaram 113 minutos e a partida segue sem gols. Faltam apenas sete minutos para a temida decisão por pênaltis. Cerca de 75 mil fãs excitados enchem o estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, e incontáveis milhões assistem ao jogo pela televisão no mundo inteiro. Você está a poucos metro do gol argentino quando André Schürrle faz um magnífico passe em sua direção. Você ajeita a bola no peito, ela rola até seu pé e você chuta de voleio, e a vê passar voando pelo goleiro argentino e se acomodar no interior da rede. Goooooool! O estádio entra em erupção, como um vulcão. Dezenas de milhares de pessoas gritam como loucas, seus companheiros correm para abracá-lo e beijá-lo, milhões de pessoas em Berlim e em Munique irrompem em lagrimas na frente da televisão. Você está em êxtase, mas não por causa da bola na rede argentina ou das comemorações que começam nos apinhados Biergartens da Bavária. Você na realidade está reagindo a uma tempestade de sensações internas. Arrepios percorrem sua espinhas de cima a baixo, ondas de eletricidade varrem seu corpo, e a sensação é de que você está se dissolvendo em milhões de bolas de energia em plena explosão[...]
A má notícia é que sensações agradáveis passam rapidamente e mais cedo ou mais tarde tornam-se desagradáveis.
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Essa é a maior falha da evolução. Por gerações incontáveis nosso sistema bioquímico adaptou-se à necessidade de aumentar nossas probabilidades de sobrevivência e reprodução, não de promover nossa felicidade. O sistema bioquímico recompensa ações que levam à sobrevivência e à reprodução com sensações agradáveis. Mas se trata apenas de um artifício efêmero de venda. Nós nos esforçamos para ter comida e um parceiro ou parceira a fim de evitar sensações desagradáveis de fome e de usufruir sabores agradáveis e orgasmos prazerosos. Mas sabores agradáveis e orgasmo prazerosos não duram muito tempo, e se quisermos tornar a senti-los teremos de sair em busca de mais comida e parceiros ou parceiras.
Alguns dirão que isso não é ruim, porque não é o objetivo que nos torna felizes – é a jornada. Escalar o monte Everest é mais prazeroso do que ficar de pé em seu topo; o flerte e as preliminares são mais excitantes do que o orgasmo em si; mas isso não modifica o quadro.
Quando um animal está em busca de algo que aumente suas probabilidades de sobrevivência e reprodução (por exemplo, alimento, parceiros ou status social), o cérebro produz sensações de vigilância e de excitação que o impelem a fazer esforços ainda maiores, pois elas são muito agradáveis. Talvez a chave para a felicidade não seja nem a corrida nem a medalha de ouro, e sim a combinação de doses certas de excitação e tranquilidade; mas a maioria das pessoas tende a saltar toda a distância que vai do estresse ao tédio e, ao fim, segue descontente com um ou com o outro.
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Buda fez uma afirmação ainda mais radical, ao ensinar que a busca de sensações prazerosas é com efeito a verdadeira raiz do sofrimento. Essas são apenas vibrações efêmeras e inexpressivas. Mesmo quando as experimentamos, não reagimos a elas com contentamento; em vez disso, ansiamos por mais.
Essa visão budista de felicidade tem muito em comum com a visão bioquímica. Ambas concordam com a noção de que as sensações prazerosas desaparecem tão rapidamente quanto emergem e que, enquanto as pessoas ansiarem por sensações prazerosas sem de fato experimentar, elas permaneceriam insatisfeitas.
Segundo Buda, podemos treinar nossas mentes a observar cuidadosamente como surgem e passam as sensações. Quando a mente aprende a enxergar nossas sensações tais como elas são – ou seja, vibrações efêmeras e inexpressivas -, perdemos o interesse em persegui-las. Pois qual o sentido de correr atrás de algo que desaparece tão rápido quanto surge?
Atualmente, a humanidade tem muito mais interesse na solução bioquímica. Não importa o que dizem os monges em suas cavernas no Himalaia ou os filósofos em suas torres de marfim; para o rolo compressor capitalista, felicidade é prazer.
1. Homo Deus, Yuval Noah Harari – p. 41 - 51
2. Linda C. Reader, John Stuart Mill and the Religion of Humanity (Columbia: University of Missouri Press, 2002)
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