DA GERAÇÃO DO EU À GERAÇÃO DO NÓS
Somos frutos de uma sociedade baseada na construção da propriedade privada.
A antiguidade clássica coincide com o período do desenvolvimento do Direito Romano, que se iniciou com a fundação de Roma, em 753 a.C., e terminou com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C.
Três características resumem o entendimento sobre esse direito nesse período. Para os romanos, a propriedade era exclusiva, absoluta e perpétua.
O proprietário de um bem era aquele que tinha o direito ilimitado de usar, gozar e dispor de sua propriedade, ou seja, o domínio sobre o bem ou imóvel era absoluto.
Este princípio rege a humanidade, é primitivo e até certo ponto instintivo. Para sobrevivermos, precisávamos ter o nosso próprio espaço, os limites do que é nosso bem definido. Mais recentemente, este conceito foi legitimado através da Revolução Francesa, em 1989.
Desde então, muito foi dito e reafirmado nesta direção. Como exemplo, tanto Adam Smith quanto Milton Friedman, acreditavam que um indivíduo buscando o próprio interesse promove o bem da sociedade como um todo. Foi uma ideia permeante através da idade contemporânea, onde valores baseados no coletivo e na comunidade foram paulatinamente abandonados em favor da geração de independência para um indivíduo consumidor, com uma mentalidade focada no “eu”.
As promessas de individualidade e independência foram embaladas na falsidade de que “o que é meu é meu”. Douglas Rushkoff, em seu livro Life Inc.: “Cada casa deveria ser seu próprio feudo. A autossuficiência era parte do mito do homem que se faz sozinho com seu imóvel particular, então, a propriedade comunitária, as caronas solidárias ou praticamente qualquer tipo de compartilhamento tornou-se um anátema da estética suburbana”. Infelizmente, os vizinhos serem totalmente estranhos tornou-se mais regra que exceção hoje em dia. Uma pesquisa mostra que três quartos dos americanos admitem não conhecer seus vizinhos de porta. Outra revela que no Reino Unido, 60% das pessoas não sabem os nomes dos seus vizinhos.
Ao longo das décadas de 1950 e 1960, os fabricantes e vendedores estimularam os trabalhadores americanos a abrir mão dos seus hobbies e do seu tempo livre pela escolha de carros maiores, casas melhores e mais tecnologia. O resultado foi uma queda drástica do “capital social”. Robert Putman, professor e ciências políticas na Universidade de Harvard, popularizou o conceito de capital social, definindo-o como “a confiança, as normas e as redes que podem melhorar a eficiência da sociedade ao facilitar ações coordenadas”.
Agora, estamos começando a sair do transe de consumo em que vivemos nos últimos 50 anos. No cerne desta transformação estão três fenômenos que se entrelaçam. Em primeiro plano, o consumidor atual está consciente de que o crescimento infinito e o consumo baseado em recursos finitos não são uma combinação viável. Consequentemente, estamos encontrando maneiras de tirar mais daquilo que compramos, e, principalmente, daquilo que não compramos. Ao mesmo tempo, estamos começando a reconhecer que a busca constante por coisas materiais ocorreu em detrimento do enfraquecimento dos relacionamentos com os amigos, família, os vizinhos e o planeta.
Finalmente, no cenário pandêmico atual, estamos sendo forçados a olhar para esse rombo estrutural que a sociedade gerou para os seus indivíduos. Esta percepção criou um desejo natural de recriar comunidades mais sólidas, como acontece com as redes sociais e aplicativos de compartilhamento. Estamos vivendo um ponto de virada da busca de “o que tem para mim” para a mentalidade de “o que tem para nós”. Mais do que isso, estamos começando a ver o interesse próprio e o bem coletivo dependerem um do outro e tornar-se provavelmente um traço vital para a coesão da nossa sociedade nos próximos anos.
Referências
1. Rachel Botsman, Roo Roger, O que é meu é cada vez mais seu, p.36-38
2. David Korten, When Corporations Rule the World (Berrett-Koehler Publishers, 1995)
3. Douglas Rushkoff, Life Inc.: How the World Became a Corporation and How to Take It Back (Random House, 2009), p.51
4. Bill McKibben, Deep Economy: The Wealth of Communities and the Durable Future (Times Books, 2007), 117.
5. “Who Needs Neighbors?” Relatório da BBC (julho de 2006), http://news.bbc.co.uk/2/hi/programmes/breakfast/5163976.stm
6. “Building Social Capital: Civic Attitudes and Behavior of Public Servants”, Journal of Public Administration Research and Theory 3
Transformação para melhor...as proximas gerações agradecem...