O DIREITO DE RENEGOCIAÇÃO DURANTE A CRISE COVID-19
QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA
O gasto com aluguéis dos imóveis comerciais utilizados pelas empresas, costuma passar dos 4% do custo total dos negócios, sendo maiores no comércio, onde pode chegar a 14%, ou mais ainda, em shoppings ou locais privilegiados, onde é maior o trânsito de pessoas, ou a renda mais elevada. Enquanto durar a crise do coronavírus, é imperativo que as empresas, que reduziram ou até deixaram de faturar, tentem reduzir esse custo, tanto como os demais, em todas as áreas de atividade, é uma questão de sobrevivência, é justo buscar reequilíbrio dos contratos.
É a única forma para manter empregos, geração de tributos, produção de bens, serviços, PIB, riqueza social, enfim, é de interesse da sociedade, também. Para tanto não faltam também argumentos jurídicos, consolidados no Código Civil.
Situações não previstas na assinatura de um contrato, alterações calamitosas posteriores que inviabilizam seu cumprimento, tornam justo que eles sejam alterados, visando retomar o equilibro entre as partes, evitar onerosidade excessiva, enriquecimento ilícito e prejuízo à sociedade.
ANTES DE MAIS NADA, NEGOCIE.
Atingida pela crise, a empresa que aluga imóveis para sede ou operações, deve inicialmente, procurar pelo locador e renegociar reduções de valor do aluguel, fazendo ou esperando por propostas razoáveis.
Evidente que as empresas serão terrivelmente enfraquecidas pela pandemia, até mesmo pelos meses subsequentes. As que não forem atingidas diretamente, acabam sendo atingidas indiretamente, pois se o comércio não vende, suas empresas não conseguem pagar fornecedores, deixam de comprar, toda a economia é atingida
Se argumentos lógicos e incontestes não sensibilizarem o locador, a empresa locatária pode apelar para o caminho litigioso, e então notificá-lo, informando que deseja discutir o valor do aluguel pelos meses de duração da quarentena, quiçá incluindo o período de calamidade pública, recessão, e se necessário outras cláusulas onerosas do contrato.
Pode ressaltar que quer pagar o justo, que aceita um desconto proporcional a queda de vendas, uma mediação ou arbitragem, algo sensato. Isso deixa claro que a empresa quer pagar, mas com desconto, conforme lhe é imposto pela situação vivida, que está de boa fé e flexível.
Deve ficar claro quando o locador não aceita negociar ou só aceita descontos irrisórios, essas negociações devem ser documentadas, arquivadas, e possível ter testemunhas, de forma a que Possam ser provadas em Juízo. A troca de e-mails é, por exemplo, prova importante.
A negociação deve ser cansativamente tentada, pois a ida a juízo, é quase certo, que prejudicará ambas as partes. Haverá incomodo, perda de horas, custos judiciais, com advogados, peritos etc. Se o judiciário já era demorado, vai ficar muito mais no final da crise, quando milhões de ações deverão ser ajuizadas devido a descumprimento de contratos decorrente da crise.
Pode-se argumentar ainda com relação à situação do mercado, após o fim da crise, com recessão mais que certa e onde sobrarão imóveis estarão para alugar. É muito mais interessante para o locador ser flexível, preservar o contrato, até prorrogá-lo por um tempo.
Perdendo o locatário, pode perder o aluguel mensal e ainda ter que pagar o IPTU e outras despesas de manutenção. Entrando com ação de despejo ou enfrentando ações declaratórias, de consignação, arrisca-se a ter que esperar anos para receber alugueres, a perder a ação e ter que pagar advogados (seu e da parte contrária), peritos etc.
Atrevemo-nos a adiantar que os locatários, nesses casos, devem contestar até o pagamento de juros sobre os alugueres (não a correção, apenas juros), pois querem pagar e o locador recusa-se a receber com desconto, como seria justo.
OS ARGUMENTOS JURÍDICOS A FAVOR DO LOCATÁRIO
Persistindo a negativa do locador a empresa pode ir a Juízo, pedindo a redução do aluguel, fundamentando-se principalmente no artigo 317 do Código Civil, na força maior, imprevisibilidade (“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação.”).
Ainda do Código Civil pode usar vários outros artigos, que seguem no mesmo sentido, visando reparar situações que de paritárias (artigo 411-A), se tornaram inexequíveis, ou exequíveis, mas com muita disparidade na contraprestação, muito mais onerosas, do que era previsto. Força maior, imprevisibilidade, onerosidade excessiva, boa fé e finalidade social do contrato, são apenas alguns dos argumentos.
Por exemplo, o artigo 479 , permite ao locador, constatando a combatividade do locatário e o risco que corre, recuar e assim evitar a continuidade da pendência, onde pode ser condenado a pagar os custos supra citados, além de esperar anos para receber (exceto se o juiz determinar cautelarmente um desconto e o pagamento do valor encontrado como aluguel provisório, até o fim da lide).
Há ainda que se citar o artigo 19 da lei do inquilinato, que entendemos reforçar pleitos de revisão de aluguel, por analogia. Ele permite revisão do valor do contrato após três anos de vigência, período em que é justo esperar-se mudanças de situação. Quem tem três anos de contrato, tem direito a revisão com ou sem covid. Na situação atual é justo a revisão mesmo sem os três anos, seja admitida.
Ainda de acordo com a Lei do Inquilinato no artigo 68, durante a discussão das cláusulas do contrato a serem revisadas, o juiz pode fixar o valor provisório do aluguel, que não pode ser menor do que 80% do vigente, até que o processo judicial seja julgado definitivamente.
E no mesmo diapasão, convém citar o artigo 567 do Código Civil, onde consta que a deterioração do imóvel locado pode justificar reduções do valor do aluguel. Ora, a crise atual impõe restrições que podem incidir sobre o uso do imóvel, pelo menos por algum tempo. Em certas áreas do comércio o fechamento das portas tornou-se obrigatório, o imóvel inútil, tão só por fato do príncipe, determinação legal de autoridade.
Outras normas aplicáveis estão no final deste artigo.
AS AÇÕES DISPONÍVEIS
O locatário poderá ajuizar ação ordinária visando redução, adiamento, parcelamento, reequilíbrio, enfim, do contrato, pelo período de quarentena e pode pedir menos, mas pode, enquanto perdurar o decreto da calamidade pública, ou a maior intensidade da crise, quiçá até pelo período de recessão.
A isenção total de pagar alugueres é muito difícil de se obter, mas a redução, adiamento, parcelamento, têm sido deferidos se a empresa provar que foi duramente atingida.
Nas ações contra shoppings centers muitos juízes, quando muito têm admitido cobrança de aluguel proporcional ao faturamento e taxa de condomínio, afastando as taxas de cobrança por promoções e o aluguel mínimo.
O mesmo pode acontecer em aeroportos ou ambientes similares. Nas redes de franquia também pode ser questionado o pagamento integral do royalty’s se fixo, taxas para marketing cooperado e para fiscalização ou supervisão de lojas.
Alguns restaurantes conseguiram reabrir em aeroportos, por estarem estes sob legislação federal, em estradas, para servir caminhoneiros, outros em cidades onde os níveis de contaminação ainda são incipientes.
O juiz poderá reduzir o aluguel em 30%, 50%, 70% ou outro percentual e a redução será tanto maior quanto mais difícil a situação exposta e provada pela empresa. Em um caso, admitiu-se a redução para 10%. Pode outrossim, como tem sido comum, adiar o pagamento para os meses posteriores, determinar o pagamento parcelado.
A isenção total de pagamento é muito difícil, pois o locador também não tem culpa pela situação criada, e pode depender do aluguel para sobreviver.
PARA NÃO PERDER O PONTO
Se o locador é inflexível, e o locatário tem medo de perder o ponto, e no futuro ainda ter que pagar os alugueres e com multa, ele pode continuar a paga-los e então ajuizar a ação, demonstrando que o faz com muito sacrifício, como por exemplo, ter que pedir empréstimo ou deixando de pagar trabalhadores.
Com isso pedirá o arbitramento do desconto e devolução do que foi pago a maior do que o justo. Pode ainda depositar em juízo durante a ação, e, o que vale para o caso anterior, procurar obter acolhimento de pedido antecipação de tutela para impedir ação de despejo, protesto ou outra represália.
Se assim não for, nada impede que o locador proponha ação de despejo por falta de pagamento. As ações serão apensadas e o juiz decidirá quem tem razão. Entendemos que um restaurante, fechado por determinação legal, sem faturar, tem mais chance de ganhar a ação e economizar valores expressivos. E esse tipo de litígio, poderá durar vários anos, possivelmente até mais de cinco, o que pode ser bem mais prejudicial ao locador.
DESPEJO TERÁ DURAÇÃO MÍNIMA DE 105 DIAS
Mesmo que o locatário não pague aluguéis e não conteste despejo por falta de pagamento proposto pelo locador, sua chance de ficar no imóvel até o fim do ano é razoável. Os locador tem que propor o despejo (demora razoável de 30 dias), após se seguirão os trâmites para fazer distribuição, registro e citação do réu locatório, mais um mês, após o período da contestação, (15 dias), após a sentença (pelo menos mais 15 dias), seu transito em julgado (15 dias), e então a expedição de mandado de despejo e sua execução, com prazo para o locatário se retirar (aproximadamente 30 dias ao todo).
São por baixo 105 dias, se tudo der certo para o locador, se o advogado for muito dedicado, se o cartório for eficiente nas tramitações e na burocracia e o juiz diligente.
Na prática sabemos que as varas já estão saturadas e estarão mais ainda nestes próximos meses e tudo será muito demorado.
Se o locatário fizer simples contestação, dizer que não pagou porque o locador não aceitou fazer redução ou submeter o problema a uma perícia, quiçá alegar que fez benfeitorias necessárias (para o teto não cair, a agua chegar na torneira, reformas elétricas ditadas pelo bombeiro e etc) a demora poderá ser de anos.
Pode o locatário, ainda deixar o imóvel sem pagar alugueres desse período, onde não obteve descontos, e ainda tentar discuti-lo posteriormente, como deveria ter sido dado e não o foi, indenização por benfeitorias necessárias que fez no imóvel ou por ter que deixa-lo pela conduta inflexível e/ou irregular do locador. Pode pleitear indenização pela perda do ponto comercial injustamente, do negócio todo, por ter que pagar rescisões de funcionários.
ÚLTIMO CASO: PURGAR A MORA OU IR PARA OUTRO IMÓVEL
Outra alternativa que tem o locatário quando réu em ação de despejo já iniciada, decorrente ou não de discussões sobre desconto que não chegaram a acontecer, é, uma vez citado para responder a ação, pedir prazo para purgar a mora, ou seja, depositar o valor dos alugueres devidos, mas nesse caso, pelo valor pleno, com multa, juros, correção, honorários de advogado. O custo do não pagamento poderá ser acrescido de mais de 40% do valor dos alugueres.
Em todo o tempo de tramitação do processo, as partes poderão fazer acordo, por isso é bom nunca hostilizar demais o locador ou seu advogado. Ao contrário, demonstrar bom senso e boa fé, esclarecendo que quer pagar o justo.
Em situações de conflito e insatisfação na relação com o locador, as ações podem ajudar a ganhar tempo, enquanto se escolhe um outro imóvel, onde a relação custo-benefício seja melhor. Eles não faltarão no mercado no período de recessão.
EXTINÇÃO DO CONTRATO SEM PAGAMENTO DE MULTA
Se atingido fortemente pela crise, se o locador for inflexível, o locatário pode ainda, deixando ou não o imóvel, pleitear em juízo a rescisão antecipada do contrato de locação com devolução do imóvel sem pagar multas previstas.
É obrigação do credor (locador) minorar, sempre que possível, os efeitos negativos da situação para o devedor (locatário). Assim dita a boa fé e a finalidade social dos contratos, obrigatória para ambas as partes. Reitere-se que também neste caso, o locatário, deve provar que suas dificuldades se originaram após ela se iniciar e são de monta a justificar o pedido de rescisão, deve fazer provas em Juízo (contábeis, testemunhais, documentais).
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Com o pedido de extinção do contrato, isenção, redução, adiamento ou parcelamento do aluguel, convém ao locatário pedir antecipação de tutela. Pede-se que o juiz, assim que receber a inicial, sem sequer dar ciência dela ao locador (citação), determine um valor menor para locatário pagar durante a tramitação da ação, um aluguel provisório.
Se o pedido for de extinção do contrato, o pedido de antecipação pode ser para o depósito das chaves e devolução imediata do imóvel.
A justificativa para esses pedidos é de um lado a situação difícil vivida pela empresa, sua boa-fé tentando o reequilíbrio do contrato, pagar o justo, possível, razoável diante da queda de faturamento, tecnicamente o fumus boni iuris, fumaça do bom direito. E de outro lado, o risco de dano que se quer evitar com a ação, a empresa ficar inadimplente, ser despejada, protestada e perder o ponto, a inflexibilidade do locador. Tecnicamente o periculum in mora, perigo na demora.
Ou seja, se for esperar a sentença, que irá demorar um bocado de tempo, ela nada resolverá, poderá ser inútil, o locatário poderá demonstrar que tem razão, mas a essa altura poderá ter sido despejado. E o direito deve chegar em tempo hábil. Obtida essa condição, o locatário poderá litigar com mais tranquilidade e tornar bem mais viável uma negociação proveitosa.
OUTROS ARTIGOS QUE JUSTIFICAM A REDUÇÃO
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
E para você que tem dúvidas como formalizar a negociação, segue nosso modelo de de aditamento de contrato de aluguel que pode usado para validar a sua negociação.
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FONTES:
1. ABRASEL (https://abrasel.com.br/coronavirus/)
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